segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Reportagem NOTA 10 sobre o suicídio e sua prevenção :: Revista DeFato

A despeito das orientações do guia Prevenir o suicídio: um guia para profissionais dos mídia, da Organização Mundial de Saúde, poucos jornalistas conseguem abordar o tema do suicídio sem cometerem equívocos. 

Daí, então, esta homenagem a Tatiana Santos e ao veículo de imprensa em que ela trabalha, o jornal e revista DeFato, de Itabira, Minas Gerais, terra do Carlos Drummond de Andrade.

Suicídio: Silêncio que mata
Tatiana Santos(em 15/11/2014)

Tabus em torno do suicídio prejudicam o combate a esse tipo de morte. Especialista aponta que trabalhos sérios, como o do CVV, podem prevenir até 90% dos casos de autoextermínio

Matéria de capa da edição 262 da Revista DeFato

“A vontade de viver foi se esvaindo dia a dia”. Era assim que se sentia a itabirana Victória Alves, 34 anos, quando enfrentou uma forte depressão no ano de 2004. Tomada por um vazio inexplicável, ela resolveu tomar a decisão extrema: cortou os pulsos e só não morreu pela ação de pessoas próximas. “Estava muito deprimida e para mim aquilo não passaria nunca”, desabafa.

Fraqueza, vazio, tristeza e falta de perspectivas estão entre os sentimentos que mais levam pessoas ao autoextermínio. Casos como o de Victória acontecem toda hora e são encobertos por um silêncio protocolar. Há muito tabu em torno do suicídio. Em várias esferas da sociedade, tocar nesse assunto é como mexer em podridão. Os resultados disso são números cada vez mais em ascensão e um problema que fica sem solução por causa do dedo que não vai até a ferida.

Para a psicóloga especialista em Assistência Social, Andreza de Souza Figueiredo, o fato de o Brasil ser considerado um país de pessoas alegres faz com que falar sobre fraquezas, tristezas e depressão coloque o individuou como um fracassado. No ponto de vista religioso, muitas crenças pregam a condenação ao suicida. Há também a questão do Sistema de Saúde, que não debate o tema com a amplitude que deveria. Até mesmo os meios de comunicação têm dificuldade em divulgar o assunto. Há um pensamento disseminado de que expor casos de autoextermínio incentiva que outros aconteçam.

Segundo a psicóloga, existe uma série de fatores que levam ao suicídio. Para chegar a esse ponto, a pessoa normalmente está em pleno sofrimento ou acometido por diversos fatores, sejam eles externos (como pressões sociais e cobranças) ou internos (como a depressão, doenças clínicas, problemas psiquiátricos, alcoolismo ou uso de drogas). Também existem estudos que apontam que algumas perturbações mentais podem levar ao autoextermínio, como transtornos de personalidade e de humor e esquizofrenia.

Conforme a especialista, alguns homens que sofrem durante certo tempo com disfunções sexuais, ao perceberem a impossibilidade da ereção e ao vivenciarem problemas graves no casamento, já relataram em consultório a vontade de se matar. “Curiosamente, os homens tentam menos suicídio do que as mulheres, mas morrem mais. As mulheres morrem menos por usarem métodos menos efetivos. Os homens usam métodos mais agressivos”, explicou Andreza.

Indícios

Na maioria dos casos, quem pretende se suicidar deixa indícios. Algumas pessoas se isolam muito, há mudança de humor repentino, insônia e falta de apetite. Os discursos ficam deprimidos ou voltados para a morte, como “ninguém mais precisa de mim”, “eu não tenho utilidade nenhuma”, “preferia estar em outro lugar”. Há também aqueles que escrevem cartas de despedidas ou até testamentos.

No caso de Victória, a itabirana confidenciou a amigos a falta de vontade de viver. Depois de cometer o ato extremo, procurou ajuda. “Tive que ter a iniciativa de saber que dependeria de mim retomar a força e o equilíbrio. Procurei ajuda médica e fiz um tratamento para combater a depressão, muito consciente de que aquilo teria que passar, assim como o uso dos medicamentos também. Não queria me tornar dependente deles”, diz.

A psicóloga Andreza orienta que uma maneira de ajudar um possível suicida é começar a ter uma escuta mais qualificada e sem julgamentos. A pessoa também deve incentivar que o amigo procure ajuda profissional, que pode ser um psicólogo, um psiquiatra, os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), clínicas ou rede de voluntários como o Centro de Valorização da Vida (CVV). O suicídio pode ser prevenido em 90% dos casos. “Geralmente o suicídio não acontece porque a pessoa quis se matar, mas porque enxergava como a única possibilidade naquele momento. E naquela ocasião ela não recebeu ajuda adequada de um profissional ou de uma rede social”, afirma.

Victória hoje é empresária e dá palestras motivacionais. Ela admite que falar de suicídio não é uma tarefa agradável, mas necessárias. “Tenho uma família linda, meu próprio negócio e, principalmente, tenho anos à frente do que me aconteceu. Essa questão em minha vida é bem resolvida”, diz a itabirana.

O mito de Itabira

Há vários anos Itabira é apontada por muitas pessoas como a cidade com o mais elevado índice nacional de suicídios. A associação vem do final da década de 1990 e início da década seguinte. De acordo com tese de doutorado do professor Roberto Gomes Alvim, que observou o período pós-privatização da Vale, entre os anos de 1996 e 2002 houve aumento significativo no número de pessoas que relataram sofrimento de crises internas e sociais.

Naquela época, houve mais estímulo ao suicídio, com aumento de 71,6% de casos e 65,5% dos fatos consumados. O professor esclareceu, na tese defendida na Universidade de Salamanca, na Espanha, que não é propriamente a privatização da companhia que provocou essa elevação, mas sim o fim da representação que as pessoas faziam da empresa, de que ela nascera para garantir o emprego, e, em consequência, a estabilidade econômica e emocional de todos.

Apesar de os números apresentarem expansão naquela época, hoje Itabira não lidera mais a lista. Atualmente, a maior concentração de suicídios está no Rio Grande do Sul. Segundo o Mapa da Violência, atualizado entre 2008 e 2012, Itabira ocupa a 172ª posição nacional. Nesses quatro anos, 42 pessoas se mataram na cidade. Desse total, nove eram jovens. Os dados foram baseados numa população total de 111.514 habitantes.

Conforme dados recentes da Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil é o oitavo país em suicídios. São 25 mortes por dia, ou seja, mais de uma pessoa por hora. O autoextermínio é a terceira causa de morte na faixa etária de 15 a 34 anos no país. Em todo planeta, a média é de uma morte desse tipo a cada 40 segundos. O cálculo é de que 1 milhão de pessoas – o equivalente à cidade de Maceió - se mate a cada ano.

Os números ficam ainda maiores e impactantes quando são levadas em conta as tentativas de suicídio. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que para cada morte consumada, há uma média de 15 a 25 tentativas. Hoje, 3% dos gastos dos sistemas públicos de saúde são para atender tentativas de suicídio.

Valorizando a vida

Há 15 anos, Itabira conta com um posto de atendimento do Centro de Valorização da Vida (CVV), entidade sem fins lucrativos. O projeto foi criado na década de 60, em São Paulo, e somente duas cidades mineiras possuem um posto do CVV. O objetivo é contribuir para que as pessoas tenham uma vida mais plena e, consequentemente, prevenir o suicídio. As atividades do posto são integralmente realizadas por 15 voluntários que são capacitados para escutar pessoas que precisam de apoio emocional, sob a condição de sigilo absoluto.

No final dos anos 1990, o Governo Federal lançou um programa de combate ao suicídio após perceber que o índice estava muito maior do que o aceitável. Foi elaborado, então, um manual voltado aos profissionais de Saúde Mental, com metas a serem atingidas. O programa funciona de maneira geral e fala sobre o acolhimento desse público nas unidades de saúde, nos hospitais gerais e nos psiquiátricos.

Em setembro do ano passado, voluntárias do CVV receberam Moção de Aplausos na Câmara de Itabira. Na ocasião, o vereador Solimar Silva abriu o coração e revelou que já esteve à beira do suicídio, motivado por uma forte depressão entre 1987 e 1992. “Durante o tempo de depressão eu vegetava. Pensei em várias maneiras de suicidar. A depressão é uma coisa terrível. E o pior é que todos acham que estamos de pirraça. Se não fosse a minha família para me escutar e dar apoio, certamente hoje eu não estaria aqui”, desabafou.

O CVV Itabira fica na rua Topázio, 248, bairro Major Lage. O telefone é (31) 3831-4111 e o atendimento é realizado entre 19h e 23h. A entidade espera ter mais voluntários para conseguir ampliar esse trabalho. Enquanto isso, o grupo vai se esforçando na missão de escutar, para romper com o silencio que custa caro. Se esforça para derrubar tabus e salvar vidas.

Fonte: www.defatoonline.com.br/noticias/ultimas/15-11-2014/suicidio-silencio-que-mata

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