quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Entrevista com André Trigueiro

Por que setembro é dedicado a falar sobre suicídio? As ações não deveriam ser permanentes?

Dez de setembro foi determinado pela Organização Mundial da Saúde como Dia Mundial de Prevenção do Suicídio. E setembro inteiro é dedicado a debates, reflexões, movimentos sociais das mais diferentes formas para o nobre objetivo de chamar a atenção ao fato de que o suicídio é caso de saúde no Brasil e no Mundo. (...) A data também serve para lembrar que 90% dos suicídios poderiam ser reversíveis porque estão ligados a psicopatologias diagnosticáveis e tratáveis.

O tabu sobre o tema ainda é grande, mas parece ser decrescente nos últimos anos. Ainda falta avançar sobre isso?

O tabu vem deixando de ser um obstáculo à prevenção como foi num passado recente. E isso se deve ao Setembro Amarelo, também à mobilização das redes, a organizações como o CVV (Centro de Valorização da Vida), o Centro Brasileiro de Psiquiatria e profissionais de saúde que militam a essa área. Todos nós, com informação adequada, podemos auxiliar quem esteja em sofrimento. (...)

Até que ponto a crise econômica influencia casos de suicídio?
O percentual maior de casos de suicídio no mundo acontece em países pobres ou em desenvolvimento. Pode não ser apenas a escassez de recursos econômicos, mas as suas implicações. Uma pessoa com depressão em países que não tenham serviços públicos terá que custear o tratamento, que é caro. O CVV, que faz mais de 1 milhão de atendimentos por ano, traz uma percepção interessante. É comum, em período de crise econômica, que homens desempregados se sintam humilhados. Eles recorrem ao CVV num momento de muita dor, pois eles não correspondem às expectativas construídas culturalmente sobre a figura do homem. Nos é ensinado que o homem deve prover a casa e isso tem muito a ver com a sociedade patriarcal. A questão não é o desemprego em si, mas no fato do varão não ter como sustentar a família.

Qual o papel do Estado para reduzir os índices?

O Brasil é um poucos países do mundo a instituir uma política nacional de prevenção ao suicídio. Trata-se de um grupo fechado, com aproximadamente 30 nações. Entretanto, é uma política atrofiada, não tem movimento e não acontece de fato. Diante da omissão de não construir essa musculatura institucional de prevenção, o Ministério da Saúde apoia o CVV. O serviço funciona hoje por três dígitos no telefone (141). A partir de 2020, todas as ligações para o CVV serão gratuitas pelo telefone 188. Hoje, apenas o Rio Grande do Sul, Estado recordista em suicídios, experimenta o serviço gratuito. (...)

Há preconceito da classe médica?

Temos novamente um tabu. Em boa parte das universidades de formação médica do Brasil, exclui-se a informação de como tratar, acolher e orientar pessoas que pensam em se matar. A área da saúde mental é discriminada no meio médico. É o primo pobre da medicina. Os profissionais da saúde mental não têm o mesmo prestígio que os profissionais de outras áreas médicas. Falta informação nas escolas de Medicina sobre o fenômeno do suicídio e como lidar com esse segmento crescente de pessoas que mundo afora experimentam uma dor difícil de descrever e que leva, em muitos casos, a pessoas achar que a solução é abandonar a existência. (...)

No livro, um espaço é dedicado à fé. Como relacionar essa questão ao suicídio?


Vamos encontrar casos de suicídio em todas as denominações religiosas, sem exceção. A religião não blinda a pessoa do risco suicida. Entretanto, algumas pesquisas indicam que aquela pessoa que tem fé ou construiu a convicção de que exista uma força superior enfrenta problemas sérios de forma diferente daquela sem religião. E, assim, estaria menos expostas ao risco suicida que outras. Mas o ser humano não é uma ciência exata e não se pode padronizar, achando que quem tenha fé, por princípio, é menos vulnerável. Cada caso é um caso.
 
Nota-se uma incidência grande de jovens que cometem suicídio. E, muitas vezes, jovens de classe média/alta, com boa condição social e econômica. Que reflexão você faz sobre isso?


Faltam pesquisas que apontem com devida base científica a razão porque isso acontece mundo afora. (...) Em muitos lares, existe pouco contato entre os filhos e os pais. O problema não é os pais trabalharem fora, e sim, o pouco tempo disponível em família, que não estaria sendo compartilhado de forma apropriada. Essa troca, do olho no olho, do colo, do calor humano e, sobretudo, na prioridade que se dê nas horas disponíveis para o intercâmbio amoroso estaria justificando casos de automutilação. (...)

Rede socais têm peso?

Estudos dão conta de que a garotada passa, em média, de sete a oito horas por dia na internet, consumindo precioso tempo e energia com atividades na nuvem, seja trocando informações nas redes sociais, fazendo pesquisas em ferramentas ou acessando vídeos. Alguns pensadores apontam que essa é uma geração que se acostumou a ter respostas rápidas para qualquer problema. A vida vai mostrando que certos problemas não se resolverão em questão de segundos, como uma grande frustração, uma decepção amorosa, um desapontamento. (...) Isso gera o problema da impulsividade, que pode gerar uma angústia, uma ansiedade que venha a justificar, em casos extremos, essa incompatibilidade com a vida. (...) E a juventude virtualizada, talvez, estaria menos treinada para essas situações e mais exposta a certos gêneros de dores que parecem insolúveis, e na verdade não são.(...)

Como preparar o jovem para o futuro diante desse avanço tecnológico?

Os pedagogos afirmam que a família responde pela parte mais importante da formação, principalmente até os 7 anos, período em que são forjados a personalidade e o caráter da criança. A escola vem no segundo lugar. É no ambiente escolar que começa o exercício da interação social. Filhos criados com preconceito replicam o preconceito na escola. Isso gera dor e sofrimento, como apelidos que machucam e as mais variadas ações, que modernamente se convencionaram chamar de bullying. Tudo isso deve justificar atenção redobrada do corpo docente. São novos protocolos que precisam ser construído na rotina escolar. É preciso um profissional com expertise para orientar o jovem em situação difícil. Esse canal de comunicação precisa estar aberto. O estudante tem que se sentir a vontade em procurar ajuda na hora que há um conflito. Os professores e funcionários precisam acompanhar a situação no jovem na escola. (...) Pode ser depressão infantil, e quem convive na escola precisa, na dúvida, reportar aos pais. (...)

Qual orientação para quem se encontra numa situação extrema de tristeza?
(...) Todos estamos sujeitos a isso. Nesse momento, é difícil acreditar ser possível virar o jogo e dar a volta por cima. O importante nesse momento é, mesmo não percebendo luz no fim do túnel e sem esperanças para conter ou amenizar essa dor, entender que todas as demais pessoas que se submeteram a um tipo de ajuda percebem melhora. Elas se livram desse estágio tão doloroso que levam muitos a pensar em colocar fim na sua existência. E resgatam a autoestima e o prazer de estar vivo, colecionando momentos e experiências que justificam essa profunda alegria e a sintonia com a vida. Acredite em você, permita-se sair do lugar onde se encontra e não lhe é favorável. É fundamental procurar ajuda, que pode ser uma assistência psicológica. Existem serviços gratuitos oferecidos por profissionais ou escolas de Psicologia que consagram parte do seu tempo para atendimento gratuito. Na psiquiatria, existem medicamentos que, na dosagem certa e com acompanhamento profissional, podem acelerar o processo de recuperação da saúde. Se não for possível fazer isso por você, faça por seu pai, sua mãe, seus irmãos, filhos, amigos, pelas pessoas que gostam de você. É muito triste quando uma luz se apaga no mundo e bastavam apenas alguns minutos para essa situação se reverter. Viver sempre foi a melhor opção.

Fonte: http://www.atribuna.com.br/noticias/noticias-detalhe/cidades/todos-nos-estamos-sujeitos-ao-risco-de-suicidio-alerta-jornalista/?cHash=2b476711b9a3f55b08931af2cfb10958



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